Ararate, um restaurante arménio em Lisboa Ararate, um restaurante arménio em Lisboa

Ararate, um restaurante arménio em Lisboa

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A cozinha do Médio Oriente está na moda, mas entre restaurantes libaneses, sírios e israelitas, ainda não existia um arménio… até agora.


Publicado em 19-Mar-2019

Andamos pela Avenida Visconde Valbom à procura do Ararate, o primeiro restaurante arménio de Lisboa. Uma excentricidade se pensarmos que o único arménio que os portugueses conhecem bem é um museu. Ou melhor, uma fundação, que ostenta o nome de Calouste Sarkis Gulbenkian, um milionário que viveu os últimos anos da sua vida em Lisboa. Industrial do petróleo, diplomata, colecionador de arte e um grande mecenas cujo 150º aniversário é celebrado por estes dias, a 23 de março, Gulbenkian deixou-nos uma maravilhosa herança, mas nunca esqueceu as suas raízes. Talvez por isso não seja possível imaginar melhor local para abrir um restaurante arménio do que a dois passos da Fundação Calouste Gulbenkian.

Na verdade, a ideia foi de Karine Sarkisyan, outra arménia apaixonada por Portugal, onde vive há vários anos. Proprietária do D. Afonso o Gordo, que curiosamente é um restaurante típico português, Karine decidiu agora prestar uma homenagem às suas origens e levar-nos, a todos, numa viagem pelos sabores deste país nas montanhas do Cáucaso.

Arca de Noé dos sabores

O mais natural é que não saiba nada sobre a cozinha arménia, uma cozinha feita do cruzamento de culturas (e fronteiras) e que vai buscar raízes gastronómicas (e vegetais) ao Mediterrâneo, mas também ao Oriente de onde adotou os temperos exóticos. O grão, um dos seus ingredientes mais queridos, muito usado nos ensopados (que lembra o nosso ensopado de borrego e o cozido de grão alentejano) veio da Ásia Central; enquanto da Turquia foram buscar o kebab e a maravilhosa técnica de grelhar carne em carvão. Uma verdadeira miscelânea de sabores, o que justifica de forma metafórica o nome Ararate, a montanha bíblica onde atracou a Arca de Noé.

É tudo isto e muito mais o que encontramos por detrás das pesadas portas de madeira trabalhadas com símbolos arménios que chamam a atenção de quem passa na Avenida Conde Valbom. Ao entrar, somos recebidos numa grande sala com mobiliário rústico (todas as madeiras têm a assinatura de artesãos nacionais, da Rebordosa) e grandes tapeçarias que nos transportam de imediato para o Cáucaso – com uma curiosidade especial: o tapete na parede da entrada é uma recriação daquele que é considerado o tapete persa mais antigo do mundo, o Pazyryk, com 2500 anos!

Já sentados à mesa, o difícil é decidir. A mesa do Ararate é farta e há muito por onde escolher. Na base da alimentação arménia, pensada para partilhar, reinam a beringela, o pimento, o tomate e a cebola, que trazem cor a qualquer prato. É assim que nasce a maior parte do receituário típico, a que as ervas aromáticas como os coentros, o manjericão roxo (que chega seco da Arménia e pende sobre o balcão do restaurante), o tarkhum (da família do estragão), o chaber (da família da segurelha) e ainda o dandur, que se assemelha às beldroegas, acrescentam sabor. No departamento das especiarias, o pimentão doce é o protagonista.

À mesa do Ararate

Começamos a refeição com a escolha de pão, também ela uma aventura gourmet. Do Lavash, um pão-folha típico da Arménia (normalmente usado para acompanhar uma refeição, ou recheado com mais variados legumes), ao Matnakásh, semelhante ao naan, acabamos por optar por uma experiência diferente, o original Khachapuri Barco, um pão, recheado com queijo, no centro do qual é adicionada uma gema de ovo, que é remexida no momento de servir. E para acompanhar, um caviar de beringela, feito com pimentos assados na grelha esmagados e misturados com especiarias e ervas aromáticas. Uma delícia, ainda que para uma próxima oportunidade tenha ficado por experimentar o Hamest Tatý, uma salada de legumes grelhados no carvão passados em manteiga ghee com cebola e salpicados com coentros…

Seguiu-se um ensopado de esturjão, um dos raros pratos de peixe de um país sem mar. Trata-se de uma sopa rica de dois peixes de rio (esturjão e truta, por vezes substituída por salmão) com pimentos, batatas e cenouras, servida num tacho de barro, o kchuch, que dá o nome àquele que também é um dos pratos mais antigos da Arménia. Depois, não podia faltar um Kebab (ou Lylya-kebab), a típica espetada de carne grelhada da região do Médio Oriente e Ásia Central. No nosso caso, a escolha recaiu sobre o vitelão, mas a espetada pode ser de borrego, porco, esturjão, truta e legumes. Em comum, as aromáticas marinadas que dão um sabor único às carnes e o grelhador especial, de duas toneladas, desenhado por encomenda.

Para sobremesa optámos pelo gata, um bolo de massa folhada recheado com uma mistura de açúcar, manteiga e farinha e pelo clássico pastel pakhlava, feito com uma pasta de nozes trituradas com cravinhos e canela, envolvida em massa filó e banhada em xarope.

Da cozinha de Andranik Mesropyan, um jovem chef arménio que veio para Portugal para abraçar este projeto, sai ainda uma lista de especialidades que ficaram por experimentar: do putuk (uma sopa de grão de bico servida numa caçoila coberta com pão achatado), ao Dolmá (rolos de vitelão em folhas de videira), passando pelo Chanakh (ensopado de borrego) ou os Khinkali (uns saquinhos de massa moldada à mão, recheados com suculenta carne picada), este último um prato lendário em todo o território do Cáucaso e que pode muito bem servir de desculpa para regressar ao Ararate em breve.

Ararate
Avenida Conde Valbom, 70, Lisboa
Todos os dias, 12h-24h (a cozinha fecha às 22h30)
Tel. 925 451 509
Preço médio: cerca de 30€ para duas pessoas/almoço e 50€ para duas pessoas ao jantar.
O Ararate tem 68 lugares no interior e 32 na esplanada.