Voluntariado: uma forma diferente de viajar Voluntariado: uma forma diferente de viajar

Voluntariado: uma forma diferente de viajar

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Lúcia Pereira sonhava com a oportunidade de realizar voluntariado além-fronteiras. Em 2019, viajou até à Índia e agora partilha connosco a sua experiência.


Publicado em 13-Fev-2020

Lúcia Pereira faz parte da equipa de Recursos Humanos da Unicre, e há muito que participa em ações de voluntariado em Portugal – projetos de promoção dos direitos e igualdade de pessoas portadoras de deficiência; apoio e acompanhamento de crianças em risco; ações de combate à solidão de idosos através da Associação “Amigos Improváveis; ou recolha de fundos e bens alimentares, para instituições como o Banco Alimentar, a Cáritas e a Cruz Vermelha –, mas tinha um sonho antigo, o de um dia participar numa missão internacional. No ano passado, a oportunidade surgiu e Lúcia partiu para a Índia durante duas semanas, uma viagem carregada de emoção, cuja experiência partilha agora connosco, em entrevista.

Por que motivo decidiu fazer voluntariado na Índia, um dos países mais populosos do mundo?

Inicialmente, o meu objetivo passava por ir para um projeto em África, e dessa forma, cumprir um sonho que já tinha há muito tempo. Mas, por motivos pessoais e profissionais, não foi possível ir em missão mais cedo. Essa oportunidade surgiu em 2019, quando menos esperava.

A Índia nunca foi um destino de viagem para mim, muito menos um destino que idealizasse ou alguma vez tivesse pensado para realizar uma missão internacional, talvez por algum receio e medo, provenientes de histórias que se ouvem sobre o país.  Quando me falaram do projeto e que iria partir um grupo de pessoas portuguesas em agosto de 2019, para efetuarem voluntariado na Índia, em Calcutá, mais especificamente na obra das Missionárias da Caridade, de Madre Teresa, eu achei interessante, mas disse que não tinha interesse. Mais tarde, a participação numa conferência, onde ouvi os relatos e a partilha de pessoas que estiveram envolvidas em projetos de voluntariado na Ásia, fez-me repensar no assunto e voltar com a minha decisão atrás. Por sorte, ainda fui a tempo de ser incluída no grupo de viagem. Apesar do receio do desconhecido, decidi aventurar-me e partir atrás de um sonho. Não sabia se poderia ser a última oportunidade de o fazer e, na incerteza, sou da opinião de que mais vale arriscar. Por vezes, existem oportunidades únicas e é nossa responsabilidade não as perder, por isso, resolvi partir, deixar o “meu mundo” para trás e ir para a Índia, de mente aberta, de coração recetivo ao próximo, de espírito livre e sem preconceitos.

Em que consistia o voluntariado e em que áreas trabalhou?

As Missionárias da Caridade têm várias casas de apoio a diferentes grupos da comunidade de Calcutá, entre os quais bebés e crianças, adultos, idosos, doentes e moribundos. Eu tive a oportunidade de desenvolver voluntariado em três casas, de um total de sete: a “Nirmala Shishu Bhavan”, onde se faz acompanhamento de bebés e crianças, até 12 anos, com deficiência e problemas de desenvolvimento, e a “Daya Dan”, dedicada ao acompanhamento de crianças e adolescentes dos 12  aos 18 anos, também com deficiência e problemas de desenvolvimento; e a “Prem-Dan”, especializada no acompanhamento de pessoas adultas e idosas, muitas delas com deficiência física e/ou mental, que estão doentes ou totalmente dependentes de terceiros para realizarem as suas atividades de vida diária . Em todas as casas, a nossa missão era dar apoio às diversas tarefas, desde limpeza e organização do espaço, roupa, alimentação, cuidados básicos e higiene, apoio e resposta às necessidades e pedidos dos utentes, promoção e treino de competências cognitivas, motoras e socioemocionais, bem como dinamização dos espaços de convívio.  

Tirou férias para fazer esta viagem? Acredita que seria importante as empresas preverem esse tipo de programas para os seus trabalhadores?

Sim, tirei férias para ir em missão internacional. Não cheguei sequer a questionar a possibilidade de me ser concedida uma dispensa de trabalho na empresa. Mas sim, considero importante que as empresas invistam em programas de voluntariado, numa perspetiva de Responsabilidade Social e também de promoção de competências dos seus colaboradores, prevendo, por exemplo, licenças para este tipo de atividades, que são uma forma de desenvolvimento de soft skills.

Acho que é bom sairmos das nossas zonas de conforto e partirmos à descoberta, aceitar desafios que nos levem mais longe nas nossas capacidades de pensar, sentir e agir. Vermos outras realidades, diferentes das nossas, pode ajudar-nos a ser mais humanos, a conseguirmos olhar mais atentamente para o que nos rodeia, a estarmos mais atentos às necessidades alheias, a escutarmos mais ativamente o que nos dizem, e impulsionar-nos a contribuir positivamente para a mudança, e esse trabalho começa, sobretudo, na comunidade onde estamos inseridos. Madre Teresa dizia: “Encontrem a vossa própria Cálcutá. Encontrem os doentes, os que sofrem e os que estão sós exatamente nos sítios onde  estão ”. Na minha opinião, o voluntariado torna-nos melhores, mais humanos, mais conscientes, mais atentos ao que nos rodeia e, no final das contas, quem ganha mais não são os outros a quem ajudamos, mas nós mesmos, porque algo mudou dentro de nós e essa mudança é, sem dúvida, muito positiva.

Pode falar-nos sobre a experiência, o que a tornou especial e enriquecedora?

Tive a oportunidade de contactar com uma cultura e realidade totalmente distintas da nossa, e assistir a um nível de pobreza e miséria humana como nunca assisti em Portugal. Por muito que vejamos nas notícias, que leiamos sobre o assunto, que outras pessoas nos contem e que saibamos que a pobreza no mundo existe e tenhamos noção de quais os locais onde essa pobreza é mais gritante, nada se compara com a experiência real de estarmos lá, de vermos com os nossos próprios olhos e de vivermos na pele aquela realidade.

Integrarmo-nos naquela comunidade como se fosse a nossa é uma fonte de enriquecimento interior, que mexe com as nossas emoções, com os nossos pensamentos, com aquilo que em nós é mais humano. Contactar com crianças e adultos, andar nas ruas e sentir a vida daquela cidade, repleta de estímulos visuais, auditivos e olfativos, e, ainda assim, aprender a encontrar a tranquilidade no meio do caos.

Num lugar onde se pratica o “salve-se quem puder”, fazer o bem e contribuir para a mudança pode ser difícil, mas não é impossível. Na Índia, aprendi, mais do que nunca, a importância de um sorriso, e, que um coração disponível para amar e mãos disponíveis para ajudar, são tudo o que é preciso para contribuirmos para um mundo melhor.

Esta foi, sem dúvida, a grande experiência da minha vida até ao momento, muito enriquecedora, com um balanço estrondosamente positivo. Voltaria já hoje, agora mesmo, se pudesse. A Índia, um país que antes não fazia sequer parte da minha “wish-list” de países a visitar, conquistou um lugar especial no meu coração, tornando-se um dos meus destinos preferidos, um lugar para o qual, quando tiver oportunidade, sei que irei voltar.

Se já era uma pessoa apaixonada por viajar e por ajudar o próximo, tornei-me ainda mais desperta e aberta ao mundo. Explorei, conheci e aprendi muito, sobretudo sobre o que é realmente importante na vida, redescobrindo-me neste processo, aprendendo novas coisas sobre mim e relembrando outras que tinham ficado esquecidas lá atrás. E, no final das contas, fui eu quem ganhou mais, que trouxe na bagagem da “alma” muito mais do que aquilo que levei na bagagem de porão.    

O que mais a marcou, pela positiva e pela negativa?

O que mais me marcou pela negativa foi a extrema pobreza, as más condições de higiene e saneamento, o  lixo espalhado nas ruas, muita sujidade, o cheiro nauseabundo e um barulho ensurdecedor, contínuo, de dia e de noite. O calor e humidade também foram uma dificuldade para mim, bebia litros de água e perdia-os quase na totalidade pela transpiração. E a comida, muito condimentada, foi igualmente difícil de tolerar. De modo geral, a realidade na Índia é dura, sente-se um verdadeiro murro no estômago a cada rua que se percorre.

Depois existe ainda o esforço físico e psicológico associado ao voluntariado, sendo bastante grande o cansaço que se sente, mas foi a experiência de voluntariado o que mais me marcou pela positiva. O poder ajudar, ver o sorriso na cara daquelas pessoas e crianças, sentir que estava a contribuir positivamente para uma obra de caridade tão bonita como é a das Missionárias da Caridade. Senti-me bem recebida e bem acolhida, senti como se tivesse criado uma nova família e foi difícil partir, porque, em parte, sentia que aquele já era o meu lugar. Ver a expressão de amor na ação e gestos das irmãs da caridade, que dedicam a sua vida a ajudar os outros é muito sensibilizador e fez-me refletir e ver o mundo de uma forma diferente.

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