Vinho para comidas com sabor a mar
min de leitura
O toque salgado, os aromas distintos e a carne delicada fazem destes pratos a melhor companhia para brancos
Publicado em 16-Nov-2023 por José Miguel Dentinho, jornalista
No mês em que se celebra o Dia Nacional do Mar, decidi dar mais um mergulho, mesmo com o clima tempestuoso atual, para vos falar um pouco de comidas com sabor a mar.
A minha ligação à costa, ao mar, é tão próxima e emocional que dificilmente me veria a viver longe da praia, pela falta do ruído das suas ondas, do seu cheiro atraente e peculiar, da vista longa e desafogada quando olho o oceano.
Desde o início da adolescência, passada no Algarve, lembro-me de ir pescar no cais novo da Ria Formosa, o que hoje é impossível por ser uma zona interditada. Ia com os meus amigos, de bicicleta, e a minha pequena e frágil cana de cor verde, depois de comprar minhocas ou casulo numa das lojas onde ainda se vendia isco na zona das docas em Faro. É verdade que não era muito jeitoso nas artes da pesca, mas cheguei a apanhar diversos peixes, polvos e um robalo de quilo naquela zona mais funda do canal grande.
Também andei muitas vezes à conquilha na praia, e ao berbigão e à amêijoa na ria, por vezes bem enterrado no lodo e corri, de forma infrutífera, atrás de caranguejos boca-cava-terra para lhes retirar a pinça mais desenvolvida, que volta a crescer. Só provei o petisco um par de vezes, mas é das melhores coisas que saboreei na vida.
Depois também fiz caça submarina desde a adolescência, em que era mais carregador de arma do que caçador propriamente dito, como acontecia com o meu pai, que não deixava um peixe por apanhar até o cinto estar carregado. Ainda hoje tento não esquecer os óculos e o respirador quando vou de férias para sítios ao pé do mar, porque gosto de estar lá em baixo a ver as paisagens e a observar o movimento dos peixes, geralmente tainhas, sargos, salemas, bodiões e cabozes, estes sempre agarrados às paredes rochosas. Isto no continente, porque nas ilhas dos Açores e na Madeira as águas são muito mais límpidas e profundas e os encontros são muito mais agradáveis, até porque a fauna local não foge com a mesma pressa e há espécimes maiores. A sensação que tenho sempre é de estar a mergulhar num aquário gigante, sem paredes.
As férias na proximidade do mar, como serão as que espero ter para o ano, são sempre um bom pretexto para saborear peixes, moluscos e mariscos, cozinhados de forma mais simples ou complexa em casa, na melhor companhia vínica possível.
Os tintos, para mim, são retirados da equação, porque a sua junção a comida de mar acrescenta-lhe um toque metálico que não é muito agradável a quem o sente. Apesar de haver rosés que serão sempre a primeira escolha para alguns pratos de mar, como sardinha assada, porque atenuam melhor o excesso de sal, ou lulas recheadas, pelo menos as que gosto de fazer, porque levam, além dos tentáculos, cebola e alho, carne picada com chouriço, é geralmente com vinho branco que usufruo dos sabores de mar que chegam à minha mesa, em casa ou nos restaurantes.
A harmonização de vinhos com qualquer prato visa garantir o equilíbrio mais adequado ao usufruto de ambos, para que o conjunto saiba ainda melhor do que cada um por si. Isso depende, como é evidente, das características dos vinhos, mas também do ingrediente principal dos pratos, da forma como é cozinhado, dos temperos, do gosto pessoal de quem está a comer e até da envolvência do momento.
Uma dúzia de ostras ao natural sabem muito melhor numa esplanada de beira-mar meio vazia do que numa marisqueira cheia de gente barulhenta. Pelo menos para mim é isso que acontece. Para este tipo de molusco, em que se salienta o sabor a mar se não houver excesso de depuração, prefiro espumantes brutos, alguns vinhos de Alvarinho, ou outros desde que tenham alguma acidez e mineralidade. Para as vieiras, outro exemplo, escolheria um vinho de Arinto com alguns anos, como o que está abaixo.
O essencial, para se acertar o melhor possível na escolha do vinho, é cozinhar, para se saber bem os aromas e sabores de ingredientes, temperos e do resultado, ou seja, dos pratos que fazemos. E, com essa base, procurar sempre imaginar quais os pratos que melhor ficariam quando se prova um novo vinho. O tempo e a experiência vão tornando, depois, tudo mais fácil.
Almeida Garret Folhas Caídas
Produtor: Vinumnostrum
Casta: Chardonnay
Ano de colheita: 2020
Branco produzido na Beira Interior de aroma contido, em que se salienta alguma fruta de caroço e notas minerais e fumadas. Fresco e elegante na boca, com algum volume e textura, é um vinho equilibrado e harmonioso, longo, com persistência de notas amanteigadas e minerais. Servido a 12 ºC, ficou bem na companhia de filetes de pescada ou peixe-espada-preto com arroz de ervilhas, mas também será boa companhia para ostras cruas, devido à sua mineralidade.
Vinha do Altar Reserva 2020
Produtor: Wine & Soul
Castas: Gouveio, Arinto e Viosinho
Ano de colheita: 2020
Aroma elegante e fresco, no qual se salientam notas citrinas, ameixa amarela e doce de laranja. Boca muito fresca, com boa acidez, longa e persistente. Um belo vinho para uma canja de amêijoas ou as ditas à Bulhão Pato. Servir a 10-12 ºC no copo.
Caves Velhas Garrafeira
Produtor: Enoport
Casta: Arinto
Ano de colheita: 2018
Branco de Bucelas de aroma contido, fresco, em que se salientam notas de clementina, folha seca, minerais, madeira e especiarias. Boca fresca e longa, num vinho equilibrado e elegante, com persistência de notas citrinas. Ficará bem com vieiras grelhadas, camarões, gambas e lavagante grelhados e cozidos ou uma açorda de gambas e bivalves. Servir a 12 ºC.
Encostas de Serpa
Produtor: Monge & Filhas
Casta: Antão Vaz
Ano de colheita: 2022
Vinho branco alentejano de cor citrina e aroma marcado por notas minerais, de laranja e limão, pedreneira, palha seca e frutas tropicais. Boca com textura, frescura e elegância, longa a persistente. Ficou muito com sopa de cação no Alentejo e é boa companhia para mais pratos de peixe. Servir a 10-12 ºC no copo.
Vidigueira Reserva Branco
Produtor: Adega Cooperativa da Vidigueira
Castas: Antão Vaz e Perrum
Ano de colheita: 2021
No seu aroma intenso salientam-se notas de passas de ameixa, mel, folha seca, caixa de charuto e amêndoas. Na boca, é muito equilibrado, longo e elegante, com corpo e textura. Este é um vinho que parece ter sido feito para a companhia de arroz de peixe ou uma açorda de camarão. Servir a 12-14 ºC.
Herdade Paço do Conde Reserva
Produtor: Sociedade Agrícola Encosta do Guadiana
Casta: Antão Vaz
Ano de colheita: 2021
Branco alentejano de aroma contido, no qual se salientam notas de ameixa branca, pêssego e fruta tropical, madeira nova e alguma geleia de fruta de caroço. Boca fresca, com algum volume e estrutura e um final longo com persistência de notas de baunilha e amêndoa. Um vinho que é boa companhia para pratos cozinhados de peixe, como uma boa caldeirada, mas também para uma massa carbonara, por exemplo, e queijos secos. Sirva-o a 12 ºC no copo.
Por C-Studio / Cofina Media