Proibido imitar: a camisola poveira e outras peças icónicas do artesanato português Proibido imitar: a camisola poveira e outras peças icónicas do artesanato português

Proibido imitar: a camisola poveira e outras peças icónicas do artesanato português

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Antes que outro designer internacional venha buscar “inspiração”, todas estas peças de artesanato são icónicas sim, mas são nossas.


Publicado em 07-Abr-2021

A notícia de que uma conhecida marca de moda norte-americana tinha copiado a tradicional camisola da Póvoa de Varzim correu mundo – ou pelo menos o mundo português. Pior, não tinha feito qualquer menção à terra, e ainda falava vagamente em influências mexicanas. Mais, estava à venda por um preço infinitamente superior ao do produto original.  

A indignação justifica-se, porque o nosso artesanato não é apenas produto, mas uma parte importante da nossa herança cultural, e daquilo que é entendido como o saber-fazer português. Era a nossa identidade que estava em causa e, como depressa se descobriu também, esta nem foi sequer a primeira vez que a designer veio buscar “inspiração”. Na loja online há também um conjunto de loiça de servir cara chapada da nossa Bordallo Pinheiro. Uma apropriação que levou a marca portuguesa a reagir de forma inspirada no Instagram:

Por isso, antes que outro designer venha buscar a sua inspiração às nossas raízes, fomos rever, de norte a sul de Portugal, o que melhor se faz por cá.

Camisola Poveira

A camisola poveira tem uma tradição ligada à pesca que remonta ao século XIX. Depois da polémica, a câmara municipal da cidade criou até um Marketplace onde os artesãos locais podem vender as suas camisolas, sempre fabricadas à mão, de forma artesanal. É por isso que não existem nem duas camisolas iguais, nem stocks guardados. Cada peça demora em média 50 horas a ser manufaturada – e vai demorar muito mais tempo a entregar –, mas saber esperar é uma virtude, e fica com a certeza de que a camisola que está a comprar foi feita especialmente para si.

Rendas de Bilros

Em Vila do Conde, bem pertinho da Póvoa, fica um dos ex-líbris desta tradição artesanal de tecidos entrecruzados produzidos sob uma almofada com o bilro, em vez de agulha ou croché. Trata-se de um tipo de renda muito elaborado, como pode ver aqui, cujas origens se perdem no tempo, e que no nosso país se espalhou por todo o litoral oceânico. Rivalizando aliás em importância com Vila do Conde está também Peniche, onde em finais do século XIX, as rendas de bilros atingiriam um grau de perfeição e arte nunca visto, impulsionadas pela criação da Escola de Desenho Industrial Rainha D. Maria Pia, sob a direção de D. Maria Bordallo Pinheiro. Uma família artística, sem dúvida, pois D Maria era irmã do pintor Columbano e de Raphael e Feliciano Bordalo Pinheiro. Estes dois últimos, os grandes responsáveis pela nossa próxima arte.

Bordallo Pinheiro

Raphael Bordalo Pinheiro é uma das personalidades mais relevantes da cultura portuguesa, notavelmente no desenho humorístico e na criação cerâmica. Com o seu irmão Feliciano (na gestão), desenvolveram a partir de 1884 a Fábrica de Faianças das Caldas, tornando-a num ex-líbris da cerâmica portuguesa. Essa tradição mantém-se ainda hoje, em peças utilitárias e decorativas da marca, fabricadas respeitando todas as técnicas ancestrais e, como se viu, também a ser copiada internacionalmente.

Proibido imitar: a camisola poveira e outras peças icónicas do artesanato português | Unibanco

Louça Preta de Bisalhães

Esta até já foi classificada como Património Imaterial da Humanidade, pela Unesco, mas infelizmente está em vias de extinção por não haver quem queira seguir olaria. Se assim acontecer, será o fim de uma tradição que remonta ao início do século XVIII, quando surgiram os primeiros registos de que em Bisalhães, terra perto de Vila Real, se cozia barro preto. Esta característica resulta da forma como as peças são cozidas, num forno de chão, abafado com terra preta. Ali ficam duas, três horas e é o fumo que lhes dá a cor e que as torna hoje tão modernas. Infelizmente já não é muito fácil comprar esta loiça fora da vila, mas a Feira dos Pucarinhos (28 ou 29 de junho), em Vila Real, ainda é um dos locais com maior oferta.

Proibido imitar: a camisola poveira e outras peças icónicas do artesanato português | Unibanco

Tapetes de Arraiolos

Antes que alguém se lembre de vir buscar “inspiração”, estes tapetes são mesmo da vila alentejana, com tradição no seu fabrico desde, pelo menos, o século XV (e provavelmente muito mais atrás). Os tapetes de Arraiolos são bordados com lã sobre tela de juta ou algodão, e distinguem-se por uma técnica de bordado que consiste num ponto cruzado conhecido precisamente por ponto de Arraiolos.  Nesses primeiros tempos, os tapetes eram muito coloridos e apresentavam sobretudo motivos árabes, que aos poucos foram sendo substituídos por tons mais claros e motivos florais. Hoje convivem alegremente padrões tradicionais (florais, azulejos) com inspirações mais modernas. O importante é terem sido manufaturados na terra. A câmara, aliás, sugere algumas lojas na vila, mas também existem opções online.

Lenços de namorados

Os lenços de namorados são uma declaração de amor. São coloridos, artesanais, trazem ideias e desenhos singelos. Têm tudo para despertar a atenção. Mas são do Minho, e uma parte importante da cultura popular desde o século XVI. Desde então que são bordados em panos de linho ou algodão, num ritual de sedução em que a pretendente encontrava forma de fazer chegar o seu lenço ao solteiro dos seus desejos. Se o pretendido passasse a usar o lenço, a relação estava oficializada. Hoje os lenços podem ser comprados online, e a sua autenticidade está certificada.

Xailes de pelo de cabra

Xailes há muitos – e os xailes minhotos são mais famosos até do que os lenços de namorados de que falámos –, mas é no Alentejo, mais concretamente perto de Nisa, em Montalvão, que vamos encontrar um xaile igual a nenhum outro.

Os xailes de Montalvão, ou de pelo de cabra, são uma antiga tradição da terra que não encontra paralelo nem sequer nas terras limítrofes desta zona raiana. Precisamente por serem bordados em pelo de cabra, o que lhes dá um rendilhado muito distinto, e pelas cores vivas que geralmente ostentavam. Estiveram quase extintos com o avançar do século XX, mas felizmente temos vindo a assistir a uma recuperação dessa tradição, nomeadamente desde a formação do canto coral EmCanto, em Montalvão, que recuperou – e muito bem – esses xailes para a sua indumentária.

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